Cinquenta anos de roubos… e seis de caricatura - Café da Praça Central

Últimas

Café da Praça Central

Ecos da Actualidade...

01 outubro, 2025

Cinquenta anos de roubos… e seis de caricatura


Recentemente, uma seguidora veio a esta página repetir a ideia dos 50 anos de ilícitos, também conhecida como "há 50 anos que nos roubam". Essa expressão, já de si sem sentido, pede uma reflexão (para mim e para ela).
Porque, Graça, há coisas que não têm graça.
Leia a reflexão que se segue com tempo, porque é — admito-o — um pouco extensa.
Aqui vamos.
O bordão do Chega insiste: "Há 50 anos que nos roubam!", como se a democracia tivesse inventado a ganância.
A frase sai como se fosse um anúncio de detergente, limpa a memória histórica e deixa tudo a brilhar… à sua maneira. Mas, na verdade, há 52 anos, Portugal vivia sob uma ditadura que controlava tudo: empresas, contratos, favores e cargos políticos.
Corrupção, clientelismo, nepotismo e enriquecimento estavam bem guardados atrás da censura e da polícia política. Quem se atrevesse a falar, rapidamente aprendia que a transparência não era um bem democrático. Era um crime.
Não havia políticos a morder as próprias mãos de tanta gula? Não havia tráfico de influências, tachos, negócios obscuros? Claro que havia! Só que naquela altura ninguém podia escrever sobre isso sem arriscar uma estadia prolongada no Aljube ou uma visita amiga da PIDE. A corrupção existia, mas era VIP.
O Chega não o nega. Apenas atira a frase para a democracia, onde os casos finalmente se veem e debatem. No fim, é da democracia que o Chega se queixa.
Hoje, a coisa mudou apenas na visibilidade. O "roubo" existe, como sempre existiu, mas agora chega às redes sociais, aos jornais, às TVs e aos tribunais. A democracia criou mecanismos de combate, prevenção, denúncia, investigação e julgamento dos crimes desta natureza. É como se a ganância tivesse ganhado palco. Mas não tem nada de novo para mostrar.
O que impressiona a Graça não é que nos roubem, é que possamos assistir, comentar e partilhar cada cena nas redes sociais.
A ganância é parte da natureza humana. A corrupção e o clientelismo não pertencem a um ou outro regime, mas a todas as sociedades.
Os que hoje gritam contra os 50 anos de corrupção, provavelmente ainda não perceberam (ou perceberam mas, convenientemente, ocultam ou esquecem) que a ditadura era um buffet de favores, nepotismo e enriquecimento ilícito, só que com o bónus da invisibilidade garantida. A democracia chegou e… surpresa! Permite ver políticos a encher os bolsos à vista de todos.
Para o Chega, o passado parece uma montra de honestidade intocável, e o presente é o grande festival do roubo. Mas a ditadura não era um paraíso de honestidade, apenas de censura.
A Graça também agradece, em nome do Chega, a "propaganda", porque assim o Chega cresce. E cresce, é verdade.
Mas, Graça, não confunda quantidade com qualidade. Partidos populistas, antissistema e de protesto prosperam em contextos de descontentamento. Já vimos isso por toda a Europa, à direita e à esquerda.
Protestar é fácil, governar exige mais. Até agora, o CHEGA só mostrou escândalos, contradições e uma longa lista de dirigentes a envergonhar o país. Mais ódio no debate público, mais descrédito na política, mais incendiários, ladrões, alcoólicos e abusadores nas próprias fileiras. Uma caricatura do que se propunha ser.
O Chega reúne em si o pior que os outros partidos têm, e não precisou de 30, 40 ou 50 anos para o mostrar. Bastaram seis. Com uma diferença: quem se apresenta como guardião da moralidade não pode rodear-se do que de mais baixo a sociedade tem.
Que moralidade pode invocar quem se rodeia de incendiários, ladrões, predadores sexuais e arruaceiros? Que autoridade tem um partido que fala de "limpar a política" quando não consegue limpar sequer a sua própria casa? A cada novo escândalo, fica claro: o CHEGA não é a vassoura da nação, é o chiqueiro da política portuguesa.
E essa é a maior fraude: vender-se como solução quando é, na verdade, um dos maiores problemas. Prometer ordem e dar caos. Prometer limpeza e servir lama. Prometer um país melhor enquanto contribui para a degradação da confiança dos cidadãos nas instituições.
O CHEGA é a encarnação da hipocrisia política: prega austeridade moral enquanto vive no meio da imundície.
Sim, os partidos que governaram estas cinco décadas falharam em muito. Mas trocar corruptos de cinquenta anos por um chiqueiro com seis não é mudança. É apenas acelerar a mesma podridão.
Tenha um bom descanso, Graça.