No Chega ninguém foge de um debate. Essa é a regra, o orgulho, o estandarte. "Nós enfrentamos tudo, não nos calamos perante ninguém", dizem, entre murros no peito e discursos apaixonados sobre quem tem coragem de dizer as "verdades".
Foi assim até à semana passada, quando Miguel Prata Roque, do PS, num debate com Rodrigo Taxa, do Chega, se levantou e saiu do estúdio depois de Taxa o mandar calar.
A partir daí, o Chega inteiro gozou com Prata Roque.
Bruno Nunes fez vídeos a rir-se: "e ele tira o microfone e vai-se embora". Pedro Santos Frazão gracejou: "no Chega nunca ninguém abandona um debate". Rodrigo Taxa foi mais criativo: chamou "cobardolas" ao adversário, falou em meter o "rabinho entre as pernas" e até sugeriu que alguém comprasse uma chucha e a mandasse ao menino para ele mamar. Foi uma festa de valentia à distância, mas com muito peito cheio e sem espelhos por perto.
Mas os espelhos têm memória curta e sentido de humor apurado. No sábado, o próprio André Ventura (o chefe, o gladiador, o pregador do berro) fez precisamente o mesmo. Entrou numa entrevista da CNN Portugal, no programa "Verdade ou Consequência", com o jornalista André Carvalho Ramos e dois convidados: Pedro Costa e Francisco Rodrigues dos Santos. Um filho de primeiro-ministro e um ex-líder do CDS. A mistura já prometia decibéis, e Ventura trouxe o amplificador.
A conversa começou com um resumo de declarações antigas de Ventura sobre o poder das notícias falsas. E a primeira pergunta foi de faca na mesa: "Foi esta a sua estratégia para crescer, usar fake news para ganhar votos?"
Não é todos os dias que alguém atira à cara de Ventura o seu próprio manual de procedimentos. Ele engasgou-se na surpresa e reagiu com o instinto habitual, como um crocodilo: atacar tudo o que mexe. Gritou contra o jornalista, contra a CNN, contra a própria existência de perguntas, e encheu o ar de queixas sobre as "fake news" da televisão.
Sem nunca dizer quais, naturalmente.
E assim, a entrevista foi-se tornando um concerto a uma só voz. Durante uns cinquenta minutos, Ventura desferiu a sua ópera de indignação, entre berros, interrupções e quase insultos. Quando o jornalista avisou que o tempo estava a terminar, Ventura ameaçou que se ia embora. E quando ouviu uma pergunta de um espectador, que não lhe foi feita ("porque berra tanto?") cumpriu. Levantou-se, largou o microfone e saiu do estúdio. O líder do partido onde diziam que ninguém fugia… fugiu a berrar.
Foi um daqueles momentos raros em que a coerência se suicida em direto. Horas antes, riam-se de um adversário por abandonar um debate. Depois, o próprio líder abandona uma entrevista. Não calado, mas aos gritos.
Bruno Nunes, que ironizou com "o passarão que tirou o microfone", já deve ter engolido o vídeo a seco. Rodrigo Taxa, que falava em "cobardolas", talvez tenha percebido que a coragem de Ventura dura o mesmo que 2% de bateria de telemóvel. E Pedro Santos Frazão, que proclamava que "no Chega ninguém abandona um debate", deve estar neste momento a negociar com a gramática: no Chega ninguém abandonava. Agora já abandonou. E com grande aparato sonoro.
Há quem diga que Ventura só grita porque acredita. Mas quem acredita verdadeiramente não precisa de berrar para ser ouvido. Ventura berra para não se ouvir a si próprio. Berra para preencher o silêncio entre uma contradição e outra. Berra para esconder que, quando lhe fazem perguntas em vez de o deixarem pregar, o discurso desaba como um castelo de cartas tocadas pelo vento.
E assim ficou a lição da semana: Miguel Prata Roque saiu e foi insultado. André Ventura saiu e foi ridículo.