Os Novos Profetas do Templo - Café da Praça Central

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19 outubro, 2025

Os Novos Profetas do Templo

Assiste-se hoje, em Portugal, a um fenómeno digno de exegese: a canonização dos que aparecem diariamente nos ecrãs. São os novos profetas — não os do deserto, mas os do teleponto. Não pregam no Monte Sinai, mas no sofá do estúdio; e o seu incenso é o pó dos holofotes.

Em tempos, a televisão tinha alguma dignidade de templo laico. Recordam-se? Havia programas que ensinavam, debatiam, construíam. Zip-Zip, A Visita da Cornélia, Febre de Sábado de Manhã, os vários programas do Herman. Sim, hoje não fariam sentido, mas havia ali uma centelha de cultura, de humor inteligente, de risco criativo. O espectador, mesmo o mais distraído, saía um pouco mais desperto, mais curioso, menos refém da banalidade.

Hoje, porém, o ecrã tornou-se altar de vaidades. Os jornalistas, que antes se limitavam a informar, descobriram que a objetividade não dá audiências. Agora opinam, suspiram, comentam. Isto é: transformam a notícia em confissão e o estúdio em confessionário. "No princípio era o Verbo", diz o Evangelho; hoje, no princípio é aquele slogan político travestido de pensamento. Conclusão: e o Verbo fez-se ruído, e habitou entre nós.

Multiplicam-se os comentadores como gafanhotos nas pragas do Egito: uns falam com a autoridade do ressentimento, outros com a erudição de um manual de instruções. Todos têm certezas, poucos têm pudor. Cada um acredita ser Jeremias, mas soa mais a vendedor de indulgências políticas. E, curiosamente, a todos o Estado paga — como se Midas, o rei lendário, em gesto irónico, tivesse decidido transformar em ouro até o silêncio da mediocridade.

Cá fora, nas ruas, o reflexo é imediato: o ódio mediatizado infiltra-se no quotidiano como nevoeiro denso. Discute-se política como quem torce por clubes rivais, odeia-se por reflexo, ofende-se por normalidade. A televisão acendeu a fogueira, e o povo aquece-se com as cinzas do diálogo enfurecido. No Velho Testamento lia-se: "Eis que envio profetas, mas o povo os apedrejará."

Hoje, porém, o povo não atira pedras. Atira likes. E os falsos profetas agradecem, curvam-se, e prometem voltar depois do intervalo para anunciar a desgraça seguinte.

Vivemos tempos em que o silêncio seria o maior ato revolucionário. Mas quem se cala perde relevância. E quem fala, para ser ouvido, precisa primeiro de gritar. Assim, entre berros, gestos e slogans, a televisão vai-nos habituando a confundir espetáculo com pensamento, emoção com argumento, e audiência com verdade.
Enquanto isso, os verdadeiros pensadores, os que ainda ousam refletir sem microfone, tornam-se herdeiros de Job — sentados sobre as cinzas, perguntando-se se ainda há salvação para um país que transformou a reflexão em entretenimento e a informação em ruído.

E o mais irónico é que tudo isto é pago com o nosso dinheiro. Somos fiéis de um culto que não escolhemos, patrocinadores de uma missa diária onde a comunhão é o ódio e a bênção final é o intervalo publicitário.

E os efeitos já se fazem sentir: formam-se discípulos de um lado e do outro, tribos de convicções cegas que se apedrejam com palavras. Já não se debate, exorciza-se o adversário. E a cada noite, entre uma tertúlia e outra, o país torna-se mais dividido, mais inflamável, mais próximo do abismo.

Aonde isto chegará? Eis as novas profecias do novo tempo: qualquer dia, quando faltar voz, começarão os gestos, e das palavras afiadas passaremos às pedras verdadeiras.

E para terminar, apenas  um Evangelho moderno: "Bem aventurados os que não ligam a televisão, porque deles será o reino da serenidade e do discernimento".

Luís Ochoa / Facebook