Os despojos de abril - até quando iremos continuar a deixar que seja André Ventura a definir a agenda política do país? - Café da Praça Central

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07 julho, 2025

Os despojos de abril - até quando iremos continuar a deixar que seja André Ventura a definir a agenda política do país?

As ideias veiculadas por André Ventura e seus apaniguados e suas apaniguadas, para além de xenófobas, racistas, supremacistas, totalitárias, fascizantes, totalmente falhas de empatia e humanismo, e, em geral, contrárias aos mais elementares direitos humanos reconhecidos internacionalmente, são também incompatíveis com o interesse nacional de Portugal.


À partida, um partido ter sessenta deputados na Assembleia da República, por si só, não assegura qualquer tipo de liderança política sobre os destinos do país. Ou melhor, não deveria assegurar.


Todavia, a lamentável verdade é que a agenda política em Portugal tem estado a ser definida por André Ventura.


Contudo, isso só acontece porque o deixam, e, muito concretamente, porque a direcção do PSD liderada pelo primeiro-ministro Luís Montenegro, julgando que assim irá recuperar para si os votos daqueles que elegeram os sessenta deputados do Chega, está a fazer sua a argumentação esgrimida por essa organização política de extrema-direita e até várias das suas propostas.

É sintomático que quando - mal ou bem, não é isso que agora quero discutir - o secretário-geral interino do PS se oferece (e oferece os votos dos deputados que foram eleitos para o Parlamento nas listas apresentadas por esse partido) para fazer acordos/pactos de regime nas áreas da política externa e europeia, defesa, segurança, justiça e organização do Estado, o governo presidido por Luís Montenegro tenha escolhido apresentar como primeira medida legislativa a propor ao país a alteração da Lei da Nacionalidade, incorporando nessa proposta algumas ideias defendidas há muito por André Ventura.

Felizmente, a maioria dos juristas, entre os quais me incluo, veio já a terreiro demonstrar a inconstitucionalidade dessas propostas. E um desses juristas foi Jorge Miranda, cujo papel na elaboração da Constituição de 1976 é indiscutível. E que não é, de todo, um perigoso esquerdista.

Não obstante, como era mais do que previsível, André Ventura quer mais e muito mais, e agora até já exige a revogação do acordo, firmado por Portugal, que estabelece regimes especiais de entrada no país para as pessoas oriundas de países que fazem parte dos PALOP.

Na senda prosseguida por Donald Trump e outros e outras como ele, para André Ventura o Direito Internacional é uma relíquia do passado a eliminar o mais depressa possível.

Porém, mais do que isso, essa acrimónia contra os países que foram colónias portuguesas é totalmente incongruente com a imagem propalada pelo Chega de que o colonialismo português não foi racista e foi muito melhor e mais humano do que os outros, a ponto de ter tido uma influência positiva no desenvolvimento desses povos outrora colonizados.

E, se André Ventura e os seus apaniguados e as suas apaniguadas não fossem tão boçais e incultos como são, no desenvolvimento dessa tese, até fariam apelo à ideia do "luso-tropicalismo" desenvolvida pelo sociólogo brasileiro Gilberto Freire (ou Freyre).

Mas, porque neles tudo é falso, o Chega, na sua campanha contra os imigrantes não faz distinções – vai tudo raso.

Naturalmente, os outros PALOP, nomeadamente o Brasil, vieram recordar a existência de algo muito simples e elementar, a saber: o princípio da reciprocidade. E muitos outros princípios poderiam ser invocados - e sê-lo-ão se o PSD e o CDS/PP continuarem a dar cobertura aos desvarios do Chega.

Em suma, as ideias veiculadas por André Ventura e seus apaniguados e suas apaniguadas, para além de xenófobas, racistas, supremacistas, totalitárias, fascizantes, totalmente falhas de empatia e humanismo, e, em geral, contrárias aos mais elementares direitos humanos reconhecidos internacionalmente, são também incompatíveis com o interesse nacional de Portugal.

E dizem-se eles patriotas - como também se dizem cristãos e defensores da Civilização Ocidental e da Cultura que a enforma e estrutura.

Com defensores destes, a Civilização e a Cultura do Mundo Ocidental não precisam de mais inimigos - se não forem barrados, esses pretensos defensores e a ideologia que propagam e põem em prática, serão mais do que suficientes para destruir os Valores Éticos e Sociais que estão na base dessa Civilização e dessa Cultura que nos distingue de todas as outras que existem no Mundo.

Mas porque assim é - e é mesmo, por muito que um demasiado significativo número de portugueses e portuguesas infelizmente não o queira ver -, qual é a razão que justifica o crescente aumento do apoio popular à extrema-direita fascizante, racista e xenófoba?

Antes de prosseguir, é importante clarificar alguns pontos de debate que, não só em Portugal, de forma metódica, muito intencional e programada, têm sido obscurecidos, com o objectivo de criar falsas percepções nas populações, e desse modo condicionar o seu pensamento.

Como bem nos avisou o filósofo grego Heráclito de Éfeso, que viveu entre 500 a.C. e 450 a.C., quando essa cidade fazia ainda parte do Império Persa, nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez não só o rio já não é o mesmo, como nem tampouco o homem o é.

A primeira afirmação é evidente - as águas em que a pessoa se banhou num dado momento já correram para o mar. Já a segunda não o é tanto, mas é efectivamente certeira porque o decurso do tempo e tudo o que vivemos e experienciamos com a sua passagem, muda-nos a todos e a todas. Nem que seja apenas porque ficamos mais velhos e velhas e o nosso corpo se modifica, tornando-se física e intelectualmente mais enfraquecido.

Ora, aplicando esse sábio princípio às sociedades e às instituições, torna-se, em minha opinião, bastante claro e compreensível que os fascismos actuais, mantendo um núcleo ideológico homogéneo, são diferentes dos fascismos que surgiram e se desenvolveram na primeira metade do século XX. E, de igual modo, tendo os fascismos uma base nacionalista muito forte, os mesmos foram na altura diferentes e diferenciados uns dos outros, consoante as idiossincrasias de cada um dos distintos povos em que esse sistema político se instalou.

Para referir os países em que essa ideologia tomou conta do poder de Estado – isto porque Estados houve, o que é, por exemplo, o caso do Reino Unido e dos EUA, em que essas forças, apesar de importantes, não se tornaram dominantes -, o fascismo português não foi igual ao espanhol, nem ao francês, nem ao italiano, nem ao húngaro, nem ao alemão (que, com a sua desumanidade, mereceu até uma designação diferente - nazismo).

E o mesmo ocorre nos nossos dias (veja-se o que está a acontecer, nomeadamente, em França, na Alemanha, em Itália, ou na Hungria) - embora, neste momento, exista um internacionalismo negro que guia as forças fascizantes que eclodiram por todo o Mundo Ocidental e que nunca se manifestou de uma maneira tão integrada e colaborante no século XX.

E é pelas razões agora expostas que se justifica plenamente apelidar de fascistas as organizações partidárias a que os políticos que a si próprios se auto-denominam apolíticos e não ideológicos chamam de extrema-direita ou até de extrema-direita radical. Como se a definição do que são os fascismos tivesse ficado cristalizada no tempo e só fosse aplicável aos partidos que existiram na primeira metade do século XX.

Como nos ensina a Ciência, a História e a Poesia, tudo muda, adquirindo sempre novas qualidades e características. E isso também acontece com os fascismos. E se não compreendermos esta tão singela verdade não seremos capazes de combater esse flagelo que tanto sofrimento, destruição e morte já trouxe à Humanidade no passado.

Voltando, então, à pergunta que atrás formulei (qual é a razão que justifica o crescente aumento do apoio popular à extrema-direita fascizante, racista e xenófoba?), a resposta à mesma não é simples nem linear.

Num primeiro nível, essas forças políticas têm a sua progressão facilitada pelo facto de, como já aludi em muitas ocasiões, a matriz natural de todos os seres – todos sem excepção - é serem selvagens, egoístas e tendencialmente irracionais.

É assim que nascemos e assim continuaremos a ser se não aprendermos (e isso ninguém nos pode ensinar, somos nós – cada um de nós – que temos de aprender por nós próprios) que controlar e dominar esses instintos naturais básicos e agir de forma racional será muito mais benéfico para cada um de nós individualmente considerados, para além de o ser também para o conjunto da Comunidade.

Todas as conquistas civilizacionais que fizeram aumentar o bem-estar das pessoas, melhorar a qualidade da sua vida e aumentar, de forma notável, a sua longevidade, são anti-naturais e só compreendidas através de um esforço intelectual e de uma bagagem cultural que, sem desprimor das outras áreas do conhecimento, só o estudo cuidado e bem organizado da Filosofia e da História permitem alcançar e manter.

Ora o que temos assistido nas últimas décadas – muito concretamente desde que no final dos anos setenta e princípio dos anos oitenta do século XX, a ideologia dita pós-moderna e neo-liberal, assente num hiper-individualismo ultra-competitivo e desregulador se tornou dominante e que se encontra muito claramente sumariada na frase do ditador chinês Deng Xiaoping, "não interessa se o gato é preto ou branco, o que interessa é que cace ratos" - é a uma contínua e sistemática desvalorização do estudo das chamadas "humanidades", a favor de um tecnicismo alegadamente ideologicamente neutro.

Pois é, mas se calhar a cor do gato não é indiferente. E, como nos ensina a sabedoria popular portuguesa, há muitas maneiras de caçar ratos e de esfolar gatos.

O que sei – e isso é já evidente para muita gente que não apenas para mim – é que o que resultou de todo esse tecnicismo alegadamente ideologicamente neutro foi um forte enfraquecimento, se não mesmo a total destruição para muitos, do espírito crítico e da capacidade de relacionamento na análise dos factos e na formulação de conclusões.

E tudo isto quando a manipulação da verdade e a fabricação de mentiras se tornou cada vez mais fácil e eficiente.

Distinguir o que é verdadeiro do que é falso é hoje cada vez mais difícil e esse espírito crítico e informado é absolutamente vital e uma condição indispensável para a preservação da Civilização e da Cultura do Ocidente, do Estado de Direito e da Democracia.

Nestas condições, o combate da inteligência e da racionalidade contra a ignorância e o obscurantismo é o mais importante de todos e condiciona todas as outras lutas que importa travar.

Está historicamente demonstrado que os fascismos apenas causaram destruição, sofrimento e morte a uma escala planetária, como nunca antes fora visto nas guerras humanas.

Infelizmente, há muita gente que não tem consciência desse facto ou, então, por causa das clamorosas falhas do sistema democrático e o generalizado incumprimento das promessas eleitorais de que são responsáveis os partidos que tiveram responsabilidade na governação do País desde o dia 25 de abril de 1974, não o considera suficientemente relevante.

O que significa que é também indispensável ter a humildade de reconhecer que muitos erros foram cometidos nos últimos 50 anos.

O reconhecimento da existência da doença é o primeiro passo para a cura, com a certeza, porém, de que o tratamento se irá prolongar por muito tempo.