Hoje a venturosa figura anda por aí, entre nós, espalhando-se em poses de importância, como se o simples facto de aparecer já fosse um acto de Estado. Diz que veio a uma tomada de posse, como se fosse ele a empossar o país inteiro. Ontem vi-o na SIC, de gravata apertada e cenho franzido, a repetir o mesmo repertório gasto de sempre, frases ocas ditas com aquele ar pomposo de irritação, como se os portugueses lhe devessem não apenas atenção mas também vassalagem, como se o país existisse apenas para lhe servir de palco.
André Ventura é, talvez, a criatura mais ordinária que a Terceira República conseguiu parir, e quando digo ordinária digo aquele cheiro a corredor húmido, paredes a pingar uma água que não se sabe se é humidade ou urina, e ele, Ventura, de dedo em riste a prometer a Quarta República como quem anuncia o milagre da sardinha assada que dá para alimentar a aldeia inteira. E nada, não explica nada, nunca explica nada, só grita, só abana o corpo como se tivesse um microfone preso ao estômago. Ventura não é nada fora do sistema, é o sistema cuspido de volta, mal digerido, o vómito que fica no fundo da pia, um quisto sebáceo a supurar no corpo da democracia, uma crosta que fede mas insiste em dizer que é perfume.
Proclama-se democrata e logo a seguir pede três Salazares, três, como se fosse a conta do vinho no balcão, três copos, três ditadores, três sombras a tapar o país, e o truque é sempre este, a contradição como método, o disparate como forma de vida. Ventura que se acha esperto porque joga com a mentira como outros jogam à sueca, Ventura que fala de liberdade sabendo que no regime que sonha já estaria preso, já estaria amordaçado, já estaria debaixo do mesmo silêncio que idolatra. E, no entanto, grita, grita alto, grita rodeado de armários musculados, sombras de ginásio contratadas ao quilo, porque Ventura sozinho é só um medo com sapatos, um pânico de carne, um rapazito assustado atrás do grito, atrás da multidão, atrás da encenação.
Um mentiroso, apenas isso, um mentiroso que cospe fel como quem respira, que arrota banalidades com ar de profeta, frases feitas embrulhadas em saliva, e diz que ama Portugal, repete que ama Portugal, mas tudo o que faz é dividir portugueses, rasgar a pele da nação em pedaços, abrir feridas antigas como quem abre cartas velhas que já ninguém queria reler, Ventura que não faz política, Ventura que não constrói nada, Ventura que só encena, só berra, só envenena, Ventura que transforma o país em feira, a política em circo barato, Ventura o pregador de esquina, o charlatão de gravata, o vendedor de banha da cobra a jurar milagres que nunca vêm.
E no plano moral, nem há dúvida, já tem o lugar reservado, já está a mesa posta para ele no inferno, com talheres de ferro e vinho azedo, os pecados alinhados como medalhas: ira, inveja, soberba, e Ventura a exibir cada um deles como troféu, Ventura que não lê, não aprende, não pensa, Ventura o ignorante que se acha génio, Ventura o tolo com voz de púlpito, o incongruente que tropeça nas próprias frases e acha que descobriu a pólvora, Ventura a miséria intelectual vestida de fato barato, e a História, se ainda restar nela algum sentido, se não se perder também na lama, há-de lembrar-se dele como merece, não como salvador mas como nota de rodapé infame, à margem suja de um livro, um dos piores portugueses que já pisou este chão. Ventura o sinal de que a ignorância, quando se veste de gravata e se põe em bicos de pés, pode enganar multidões, mas nunca engana o tempo, e o tempo há-de empurrá-lo para o sítio que lhe cabe: o caixote do lixo da política, o aterro sanitário da história, o esquecimento dos que nada valem, o inferno reservado aos cobardes.
Outubro 2025
Nuno Morna
P. S.: ontem cruzei-me com este cromo a perorar na SIC, a mesma lengalenga enfadonha, e o texto que deixei acima saiu-me ao sabor dos dedos, fruto da repulsa quase física que a criatura me provoca. A ele não peço desculpa, nem retiro uma vírgula do que escrevi, mas a vós, se de algum modo vos tiver ofendido com a violência das palavras, deixo aqui as minhas desculpas.