ESTÓRIAS INFANTIS PARA ADULTOS: Os pavões nas manhãs frescas - Café da Praça Central

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24 outubro, 2022

ESTÓRIAS INFANTIS PARA ADULTOS: Os pavões nas manhãs frescas


Os pavões gostam das manhãs frescas porque, a essas horas, os girassóis ainda não acordaram.
Josuão, lindo pavão, que lindas penas o pavão tem, dizia-lhe a menina, logo pela frescura da manhã. E Josuão, um macho azul-esverdeado iridescente, abria as penas da sua longa cauda, em leque, e pavoneava-se em torno da menina. Ele sabia que ela lhe traria o pequeno-almoço, uma mão cheia de sementes de girassol, que era o que ele mais adorava. Esta era uma rotina que há muito se estabelecera entre eles, desde que a menina crescera e que havia girassóis na quinta. Aliás, dava-lhe um secreto prazer comer as sementes do girassol.
O parque, nas manhãs frescas, era um retalho do paraíso. Sobre o verde homogéneo do relvado, entrecortado por árvores, frondosas umas e choronas outras, destacavam-se os pavões, serenos na exuberante vaidade que lhes fora inculcada pelos deuses antigos. Dos ocelos da cauda de Josuão, emanavam mensagens de amor a que as pavoas não ficavam indiferentes. Sentia-se que o espírito de Afrodite pairava sobre aquele quadro idílico.
Em bordadura do parque, aos girassóis, de cabeça pendente, tudo isto escapava, tudo lhes era indiferente. Na verdade, só depois do sol se levantar bem alto, os girassóis despertam, levantam a corola, esticam as pétalas e expõem ao mundo todo o seu esplendor. Tudo se passa como se o sol tivesse semeado na Terra, pequenos sois, que o seguem servilmente no seu périplo diário entre o nascente e o poente. Os girassóis são vaidosos da sua beleza e ufanos da cumplicidade que os une ao astro-rei. A vaidade dá-lhes para serem insolentes com os seus adversários de estimação, os pavões.
Adversários? Sim, seguramente, porque os pavões, sendo considerados entre os seres mais belos da natureza, é difícil vencê-los nos concursos de beleza; além do mais, consta que têm o apoio das divindades hindus e budistas, que os apoiam secretamente (no segredo dos deuses!).
A rivalidade dos pavões e dos girassóis era conhecida no olimpo e tema de conversas entre os deuses, ao serão. Enquanto Zeus passa pelas brasas, indiferente às coscuvilhices, Hera, sua mulher, discute o assunto com Hélio e com outros deuses menores e algumas ninfas que velavam para que nunca faltasse néctar nas taças dos deuses. Hélio, ainda roído de remorsos pelo seu comportamento que fez com que sua amante Cítia se tivesse transformado num girassol, tem dificuldade em formular uma opinião isenta, e Hera apoia os pavões, pois são os seu preferidos e foi ela que os enfeitou com os ocelos. O tema alimenta muitos serões, até que, por fim, chegam a um consenso, é preciso que eles se entendam!
O deus Hélio, viajando no se carro puxado por quatro cavalos de fogo, deu boleia a Hera até ao cimo da montanha, para onde os dois rivais tinham sido convocados.
O girassol é então questionado sobre o fundamento da sua animosidade para com o pavão. Perante o olhar imperativo de Hera, o girassol, intimidado, de pétalas trementes, faz das fraquezas forças para responder à deusa, e desfia as suas razões: que nem tudo nele é belo, os pés são feios, cheios de escamas escuras, e o espetáculo de oferece, quando abre a cauda em leque, é absolutamente indecoroso para quem está por detrás, pois mostra o rabo; não entende a razão de os pavões ganharem sempre os concursos de beleza.
Então Hera ordena que ambos, o pavão e o girassol, se virem de costas.
Depois de terem obedecido, Hera e Hélio inspecionaram os "avessos" de ambos e concluíram que são ambos assaz feios. Na verdade, por detrás do lindo leque, o pavão expõe-se um ânus... sem graça nem finura, mas não é menos verdade que as costas do girassol são cobertas por brácteas crespas, nada sedutoras, e contrastam abruptamente com o esplendor da corola. Quanto aos pés, bem!... um tem escamas de lagarto, é certo, mas o outro tem pelos rijos. Como diz o povo, "entre os dois, venha o diabo e escolha".
Concluíram os deuses que o girassol, com os seus "telhados de vidro" não deveria "mandar pedras" ao pavão; e que o pavão deveria ter mais tento quando abre o leque, para não revelar a ...intimidade, da qual não se deveria orgulhar...
Antes de os mandar embora, Hélio lembrou-lhes que o belo e o feio são faces da mesma moeda, e que iria promover um concurso de fealdade, ao qual ambos se podiam considerar desde já inscritos.
Não te esqueças que a verdade é só uma, mas tem várias faces.

Jorge Araújo | Facebook