SANGUE NA GUELRA
CARTA DE JANEIRO DE CARLOS J. PESSOA
Este Janeiro, porque Janus o sugere, vamos lembrar obras passadas, comemorar 36 anos de Teatro da Garagem; festa rija que coincide com o lançamento do volume IV das Obras (In) completas , referentes às vésperas do 11 de Setembro de 2001, e de tudo o que aí vinha: a queda de Babel, o bulício, o reinício da confusão, a bebedeira e a ilusão; achar que tudo ía correr bem, acudindo à desgraça com bravura, com algum humor; acertando o passo com a candura.
Em Janeiro, apesar das enxaquecas provocadas pela nevrose noticiosa, apesar das tendinites e dos inchaços que retornam do habitual, tal e qual (!), apesar da hérnia discal e do fiscal da tábua rasa que faz orelhas moucas, saber que se quebram essas louças, que se vai adiante da vontade e da chance.
Que em nome da Cidade e da Azia faz-se o novo tempo, escaqueirado de espanto e alegria.
2025 é o ano do risco. Vamos arriscar sem sermos ariscos. Vamos encontrar o que não conhecemos; vamos fazer por isso; vamos complicar, vamos seguir o caminho mais ousado, que de facilidades anda o mundo aleijado.
Precisamos de boas complicações, de magníficos desafios; de explorar novas rotas, de nos atermos a rumorosas aventuras, pusilânimes e sadios.
Não ter medo, não dizer sim a tudo, não buscar a consolação mas a irreverência, a indisciplina; esse rigor da mínima coisa, essa devoção por todas as loisas; a interseção do abraço, o comovente laço; desopilar o calhamaço, desflorar fotografias e provocar-te alergias.
Continuar sempre a ousar, a morrer e a ressuscitar; a fazer da vida uma boa briga; uma zanga sem fadiga; um ir mais além e ficar aquém; o recusar do sucesso, da medida habitual, do conluio e do favor banal; preferir sempre o fervor, derrubar o andor, andar nu porque está calor; porque sim, que uma muda de roupa chega, para uma fuga sem fim.
Querer-se nómada, insubmisso, constelação e caniço onde Pã, sem pânico, colhe a flauta da vestal, tornada muda e vegetal, para que da música, metamorfose da musa, se resgate o corpo desejoso do animal.
Nunca ceder à monotonia mais que um compasso, entre o êxtase devasso e a errante utopia.
2025, ano de todas as resoluções mais essas que não tomarei; paz de corações irrequietos, promessas de balanços e protestos, como peixes voadores a mergulharem num mar de incertezas; com muitas causas e iguais belezas.
Ter bolsos sem fundilhos para as amizades e os ladrilhos, ter rubor para o amor; fazer da infelicidade e dos empecilhos caminhos para o estupor.
Maldito seja o bem de tudo isto (!) que nos traz garra, visto e guerra , inferno que berra, paraíso e pecado, espavento brocado, som e sangue na guelra.