Nas Gargantas Soltas de hoje, João Teixeira Lopes nos fala da colonização do TikTok, mas alerta-nos para as causas objetivas que são a raiz do problema: insegurança, medo, competição e precariedade.
É claro que as redes sociais colonizam a nossa existência. Modelam-nos cognitivamente, dispersam a nossa atenção, transformam o modo de percecionamos o real (pior: criam o real!), induzem automatismos preguiçosos e são dinamizadas por pessoas-máquinas que destroem a destrinça entre informação, entretenimento e mercado, quer dizer, a possibilidade de distância crítica. Aliás, é o capitalismo que se expande nas nossas mentes, vencendo os poucos redutos que ainda lhe ofereciam resistência: o sono, o desejo e a imaginação. Sonhamos dentro dos moldes da crença na autodeterminação, como se não fossemos influenciados (diria mesmo: produzidos) por um entorno social. Afinal, podemos "ser quem quisermos", frágil plasticina multiforme: perdemos a temporalidade e o atrito dos fenómenos (exercício crucial para percebermos a sua génese) para nos dissolvermos no presente perpétuo.
Mas, não nos iludamos: as redes e suas linguagens colonizaram as subjetividades por razões bem objetivas. Desde logo, a incerteza. Abaladas as certezas, desconfiados das hierarquias e dos dogmas, desiludidos face às instituições (Estado, Governos, Igreja, Família), iludidos pela voragem empreendedora, perdemos a oportunidade de desafiar a ordem de antanho por uma nova ética de generosidade e solidariedade. O capitalismo não tolera espaços vazios e a todo o momento recria as condições da sua reprodução, insinuando novas mediações que se confundem com o respirar e se apresentam como a "vida", em todos os meandros da expressão e da comunicação.
E aí entra a febre da competição, essa espécie de guerra civil permanente de todos contra todos, em que comparamos o que temos e não temos, o que julgamos ser e aparentar, o corpo e a máscara, num jogo de espelhos onde só sobram os ossos espectrais. Existimos porque comunicamos e comunicamos pela linguagem da autoexpressividade, anulando o caminho que vai de mim ao outro, com o fermento, tão necessário, dos silêncios comunicantes. Não toleramos limites ao que julgamos ser um direito inalienável à autenticidade.
Nos bastidores, contudo, reina o medo: de nos encontrarmos sós, de perdermos as guerras imaginárias, de vivermos num mundo hostil, perigoso, em devir catastrófico. Sem a noção do passado, pois cada momento se esquece no fogo fátuo da novidade-que-já-não-é, na míngua de futuro, resta o presente histriónico que se oferece em termos simples: eu ou ele; por ou contra; tudo ou nada. Réquiem ao pensamento complexo.
Uma profunda insegurança nos atemoriza. Nada garante o trabalho, o pão, a saúde, a paz, a habitação. Esboroa-se o calor da hospitalidade e do acolhimento. Só podemos confiar no nosso estado de performance total.
Venha, pois, o TIKTOK, que nele me instale e viva e morra.
-Sobre João Teixeira Lopes-
Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1992), é Mestre em ciências sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (1995) com a Dissertação Tristes Escolas – Um Estudo sobre Práticas Culturais Estudantis no Espaço Escolar Urbano (Porto, Edições Afrontamento,1997). É também doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação (1999) com a Dissertação (A Cidade e a Cultura – Um Estudo sobre Práticas Culturais Urbanas (Porto, Edições Afrontamento, 2000). Foi programador de Porto Capital Europeia da Cultura 2001, enquanto responsável pela área do envolvimento da população e membro da equipa inicial que redigiu o projeto de candidatura apresentado ao Conselho da Europa. Tem 23 livros publicados (sozinho ou em co-autoria) nos domínios da sociologia da cultura, cidade, juventude e educação, bem como museologia e estudos territoriais. Foi distinguido, a 29 de maio de 2014, com o galardão "Chevalier des Palmes Académiques" pelo Governo francês. Coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.