Já passaram três dias sobre as eleições e as pessoas à minha volta dividem-se entre as que sabem exactamente o que aconteceu e as que ainda estão meio abananadas.
Eu estou firmemente no segundo grupo.
Eu estou firmemente no segundo grupo.
Na semana passada, o tema do nosso coletivo de escrita de que faço parte era "água mole em pedra dura". Nunca o acabei, mas foi nesse dia que comecei a escrever este texto sobre o crescimento da ódio em Portugal, que julgo que é um dos poucos contributos que posso dar para o nosso urgente desenbananamento coletivo.
Não que seja qualquer tipo de especialista, mas tenho andado a acompanhar, ao longo dos últimos anos, de forma amadora e completamente em cima do joelho, mas atenta e assustada, o crescimento do ódio nas redes sociais, nas paragens de autocarro, na frutaria da minha rua.
Lembram-se do boato dos condutores da Uber que gaseavam as passageiras para as violar? Parece que foi há cinco anos, mas também parece que foi ontem.
Foi em 2023 - no mesmo ano em que, na minha rua, um velhinho saiu de casa de repente para agredir um motorista de entregas que tinha parado a mota à frente do seu prédio.
E um ano antes de uma onda de ataques contra imigrantes no Porto ter feito soar alarmes em todo o país.
Foi em 2023 - no mesmo ano em que, na minha rua, um velhinho saiu de casa de repente para agredir um motorista de entregas que tinha parado a mota à frente do seu prédio.
E um ano antes de uma onda de ataques contra imigrantes no Porto ter feito soar alarmes em todo o país.
Nestas eleições, nas redes sociais da minha "amostra" limitada, este ódio cresceu como nunca, raiando os limites do absurdo: de repente, os eleitores de Arcos de Valdevez, uma vila do Alto Minho com 20.000 habitantes, parecem temer que uma invasão de paquistaneses substitua os espigueiros do Soajo por lojas de Kebab.
Na vila vizinha, os barquenses mobilizam-se para que Ponte da Barca não seja "o próximo Martim Moniz", como se a adição de pó de caril às papas de sarrabulho fosse garantida caso abrandassem a vigilância por um segundo que fosse.
Já na Penha de França, que pelo menos fica bem mais perto do Martim Moniz, usam-se fotografias de raparigas do Alto Minho, sorridentes e viçosas, a irradiar fertilidade patriótica, para ilustrar posts sobre a necessidade de os "portugueses nativos" salvarem a Pátria e a preservarem para os seus filhos, netos e bisnetos.
Na vila vizinha, os barquenses mobilizam-se para que Ponte da Barca não seja "o próximo Martim Moniz", como se a adição de pó de caril às papas de sarrabulho fosse garantida caso abrandassem a vigilância por um segundo que fosse.
Já na Penha de França, que pelo menos fica bem mais perto do Martim Moniz, usam-se fotografias de raparigas do Alto Minho, sorridentes e viçosas, a irradiar fertilidade patriótica, para ilustrar posts sobre a necessidade de os "portugueses nativos" salvarem a Pátria e a preservarem para os seus filhos, netos e bisnetos.
E tem funcionado.
Esta retórica do fim do mundo, o mito da substituição, as histórias absurdas que se contam, as falsas ao lado das semi-falsas, misturadas com as verdadeiras e cortado com umas pitadinhas de ódio e - isto é importante - uma narrativa que permite a recuperação do orgulho patriótico, têm feito crescer o Chega.
Esta retórica do fim do mundo, o mito da substituição, as histórias absurdas que se contam, as falsas ao lado das semi-falsas, misturadas com as verdadeiras e cortado com umas pitadinhas de ódio e - isto é importante - uma narrativa que permite a recuperação do orgulho patriótico, têm feito crescer o Chega.
Mas duvido que o Chega tivesse crescido tanto sem um contributo muito especial: o de Luís Montenegro e do PSD.
Nos últimos anos, não faltam instâncias de partidos de centro-direita a colar-se à agenda da extrema-direita para melhorar a sua prestação. Na maior parte dos casos, não tem compensado: as pessoas preferem o original, a extrema-direita cresce, os partidos de centro-direita nem por isso e comecem a ser ultrapassados pelos partidos que tentaram imitar ou a ser forçados a coligar-se com eles. Foi assim em vários países europeus.
No caso português, estou convencida de que aconteceu exactamente o mesmo, mas com uma nuance. Como às vezes o sol quando nasce brilha para todos, desta vez, chegou para os dois.
A vitória do ódio é do Chega, mas também deu a Luís Montenegro um impulso decisivo para poder cantar vitória.
Porque o Primeiro-Ministro tinha credenciais.
Tinha feito os trabalhos de casa.
Foi Luís Montenegro quem encostou os imigrantes à parede (literalmente).
Foi Luís Montenegro quem pôs cartazes em todo o país onde garantia, com um sorrisinho feliz, que tinha conseguido regular a imigração em 11 meses.
Foi Luís Montenegro que fez de uma deportação burocrática uma ação de campanha.
(aliás, ninguém me tira da ideia que foi esse golpe de génio a precipitar a indigestão de André Ventura)
Porque o Primeiro-Ministro tinha credenciais.
Tinha feito os trabalhos de casa.
Foi Luís Montenegro quem encostou os imigrantes à parede (literalmente).
Foi Luís Montenegro quem pôs cartazes em todo o país onde garantia, com um sorrisinho feliz, que tinha conseguido regular a imigração em 11 meses.
Foi Luís Montenegro que fez de uma deportação burocrática uma ação de campanha.
(aliás, ninguém me tira da ideia que foi esse golpe de génio a precipitar a indigestão de André Ventura)
O Chega alimentou o ódio, mas o PSD teve um contributo decisivo: olhou para o crescimento da xenofobia, olhou para o aumento da violência contra imigrantes, olhou para as estatísticas do crime que negam a tão laboriosamente criada *sensação de* insegurança e fez uma escolha.
Em alemão, dir-se-ia que tornou a xenofobia do Chega salonfähig, passível de ser dita em sociedade ou, adaptando, passível de ser dita no arco da governação.
É por isso justo que a vitória do ódio seja também um bocadinho sua.
Espero que os livros de história não se esqueçam dele, que era uma grande injustiça que lhe faziam.
É por isso justo que a vitória do ódio seja também um bocadinho sua.
Espero que os livros de história não se esqueçam dele, que era uma grande injustiça que lhe faziam.
