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12 setembro, 2024

Um início de ano letivo marcado pela falta de professores

Começa um novo ano letivo mas, infelizmente, o cenário que temos é preocupante. O atual governo criou a expetativa de resolução fácil e imediata de problemas em áreas determinantes para os portugueses como a educação e a saúde, limitando-se a culpar o anterior governo sem refletir sobre as causas estruturais dos mesmos. Foram anunciados planos de emergência ineficazes e, agora, conscientes de que defraudaram as expetativas criadas e perante a desilusão de todos, argumentam que é preciso tempo para a resolução dos problemas. Mas o que fica evidente é que estes se agravaram durante a sua governação, sendo cada vez mais difícil de acreditar em respostas de emergência que, na verdade, têm um horizonte temporal de concretização longínquo e não servem o propósito.

 

Vamos a factos. A comparação dos horários por atribuir em relação a 2023 aponta para um agravamento de 30% relativamente aos alunos do básico e secundário sem docente a pelo menos uma disciplina. O movimento "Missão Escola Pública" antecipou mesmo um agravamento de 40% no arranque do ano letivo, com cerca de 200 mil alunos a quem vai faltar, pelo menos, um docente.

O mais preocupante é que as medidas de emergência do Plano Mais Aulas, Mais Sucesso, estão longe de produzir efeitos imediatos e significativos. Um plano suportado na adesão de professores reformados ou em idade de reforma, onde terá que se compatibilizar a redução de componente letiva a que têm direito com horas extraordinárias, ou da adesão de bolseiros, investigadores e docentes de ensino superior. Mas tendo sido apresentadas metas concretas para o referido plano, teremos oportunidade de fazer a devida monitorização.

Em algumas medidas o governo recuou, por exemplo, diminuindo de 10 para 6 horas a carga letiva prevista para bolseiros de investigação, provavelmente conscientes do risco de desvirtuar a essência da sua atividade ou de fomentar precariedade no mercado de trabalho. Recuou e está a reavaliar a proposta do apoio à deslocação que, nos moldes apresentados, criaria profundas desigualdades entre professores. Mas outras medidas introduzem também desigualdades como é o caso dos professores de ensino superior cujo tempo de lecionação lhes será contabilizado para reposicionamento na carreira, ao contrário do que acontece com os professores, nas mesmas circunstâncias, que vincularam no último concurso, ou das bolsas atribuídas a estudantes de cursos via ensino e não de outros cursos onde há igualmente falta de profissionais.

É demasiado evidente que o governo da Aliança Democrática está em campanha permanente, lançando programas feitos de forma precipitada e, muitas vezes, desprovidos de novidade com medidas preparadas pelo governo anterior. Não tomou o devido tempo para pensar em medidas de fundo, transformadoras, com um alcance estrutural que permitam responder aos problemas no médio e longo prazo (note-se que no curto prazo, também não houve soluções).

No caso da educação, o foco deve estar no aumento da atratividade da profissão, aumentando os índices remuneratórios no início de carreira e desburocratizando a função docente, mas também na formação de professores. Igualmente complexa, mas necessária, é a revisão e simplificação das regras do concurso de colocação do pessoal docente. O atual governo sublinhou a desadequada distribuição geográfica dos professores, "concentrando-se na zona norte onde não são precisos". Respeitando a lista profissional graduada, haverá sempre professores do norte a concorrer e a ser colocados no sul mas que, posteriormente, não assumem os lugares pelas dificuldades que conhecemos nomeadamente de alojamento e deslocação. Mas é preciso planeamento, sobretudo antevendo as vagas deixadas pelo elevado número de professores que, de norte a sul, se aposentarão. O concurso extraordinário de vinculação de professores em escolas carenciadas pode ser positivo, complementando medidas tomadas pelo governo anterior (seguindo o princípio que é com estabilidade que se conseguem atrair professores), mas apenas se as regras do mesmo não introduzirem desigualdades e injustiças no sistema (professores sem habilitação própria profissional versus estudantes dos mestrados profissionalizantes e/ou professores contratados versus professores de quadro).

Em vez de trazer respostas estruturais, o governo decidiu criticar o melhor instrumento que teve ao seu dispor - o concurso de professores-, dizendo que tinha vagas a mais. Ninguém entende isto, sabendo que havia no sistema uma enorme precariedade que conduzia a situações pessoais e familiares indignas. Foram dezenas de milhares de professores a concurso, com uma média de idade de 48 anos; e a verdade é que há, como já referido, milhares de alunos sem professor. Sem o concurso ambicioso que foi feito, o cenário seria seguramente muito pior mas, sobretudo a precariedade, seria imensa. Este concurso permitiu aos professores vincularem, aproximarem-se da sua residência e fixarem-se em escolas. Juntamente com o alargamento dos quadros de zona pedagógica, alguns deles com 200 km que passaram a ser inferiores a 50 km, configuram a maior operação de estabilização da vida dos professores.

Mas a precariedade não parece preocupar o atual governo, que desvaloriza o investimento na Escola Pública, privilegiando o ensino privado, tendo sido célere a aumentar o financiamento destas escolas com o reforço dos contratos de associação, sem que se conheçam os critérios que determinam a carência de escolas públicas nas áreas abrangidas por esta medida, tal como determina a lei. Não foram tão céleres a abrir o devido concurso para os professores do ensino artístico especializado da música e da dança ou a garantir a vinculação automática dos professores com 3 anos de contratos sucessivos ao abrigo da norma-travão, tal como também determina a lei. Uma pequena ressalva para os sinais dados em investimento na Escola Pública, com visitas a obras de requalificação de escolas, no âmbito de um programa pensado, delineado e inscrito no PRR pelo governo anterior: o "Programa Escolas".

A organização do ano letivo foi tardia, com enorme pressão sobre os diretores das escolas que não tinham turmas autorizadas devido aos sucessivos problemas no portal das matrículas. O guião da organização do ano letivo chegou a 7 de agosto e foi logo acusado por professores e diretores de ilegalidades (nomeadamente, no que se refere à atribuição de turma extra a cada professor e à suspensão de atividades de complemento e enriquecimento curricular para mobilizar professores para alunos sem aulas). Tardou também a confirmação das renovações dos técnicos especializados, entre os quais psicólogos, terapeutas e assistentes sociais.

É profundamente lamentável que no meio de todas as confusões criadas, não haja espaço para reflexão e debate sobre os desafios importantes para a qualidade da Escola Pública nomeadamente, a aposta na formação de professores, as aprendizagens relacionadas com a realização de tarefas com maior complexidade e alta literacia, a necessidade de aumento da despesa com educação pelo menos até aos 6% do PIB, o posicionamento relativo das remunerações no contexto europeu, o impacto das novas tecnologias de Inteligência Artificial, o impulso necessário na área STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) e as denominadas novas demografias.

Estes temas tornam-se evidentes no relatório da OCDE 2024 "Education at a glance", que demonstra também a assertividade da governação PS em vários domínios, designadamente no que diz respeito ao aumento da qualificação da população, à aposta nos resultados educativos dos emigrantes, ao investimento em cuidados de infância e no pré-escolar, ao aumento da participação em educação e formação de adultos e à trajetória crescente de investimento em educação. Mas termino, regressando à medida central do programa da ação do PS das últimas legislativas em termos de educação- a valorização dos índices salariais no início da carreira-, porque é essencial para o rejuvenescimento da classe docente em Portugal e para combater a escassez de professores, generalizada em vários países da OCDE.

 

Isabel Ferreira
Vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS