Um dos pasmatórios mais interessantes desta cidade é a chegada do "comboy" ás duas horas da tarde, em dia secco e cálido como os deste Outono.
A's velhas amiga dos contos á soalheira chegou-lhes também vontade de admirarem, e serem admiradas pelos passageiros, e por isso não faltam ao ponto dado. A invasão da estação principia três a quatro horas antes da chegada da locomotiva. Chegam, sentam-se, e agora ouvireis discorrer.
- Que é aquillo, ó nina?
- É onde a manica dá a volta.
- E como fazem elles aquilo?
- Encarapitam-se em riba della, e taes voltas lhe dão, que não têm outro remédio senão revirar o focinho!
- E aquella casa que tem aquelle tanque de ferro, e aquella manga para que serve?
- Para a manica beber!
- Pois ella bebe?
- Bebe e come!
- o quê?
-Bebe carvão, e come água!
- Santo Deus! Que herejes! E os ingleses é que trouxeram para cá isto?
-Pois então! Enquanto tivermos dinheiro, tratam-nos bem. Depois em não havendo nada roubam-no as egrejas, e ficamos sem santos.
- Cruzes! Não me diga isso! Ahi vem a manica! Não é?
- É. Olhe, olhe como corre! Ih! Lá guinchou. Na ouviu? Traz pouca gente! Não vê os cavallos ?
- Não senhora! Vejo só rodas, e fumo; não descubro mais nada!
E não fazia senão esfregar os olhos.
- Mas estes militares, quem são ?
- São os homens do comboio. Têm todos uns bigodes. Não fazem senão mirar-nos. São muito finos!
Neste momento foram abertas as carroagens. Os passageiros sahiram, e um, que me encontrou pasmado também a ver as columnas do rocio de Sam Braz, disse-me:
- Esta terra é uma parvalheira!
- Adeus, como estás?
-E tu?
- Com que então por cá tudo são parvos, não?
- Eu me explico. Chego á estação e esperava admirar alguma carinha bonita, como d'aquellas que se regozijam na ponte dos vapores, no caes das columnas, no Passeio Publico, em Santa Apolónia, etc. mas qual historia! Dei-me ao trabalho de as contar Trinta e três asnas, e duas raparigas soffriveis. Perguntei quem era. Resposta. Já têm dono! Venho para diante, e esbarro contigo a admirar… o quê?
- Umas columnas, um palácio, e um jardim, ainda te parece pouco?
- Assim será. Porém não vejo que admirar nem o que mereça tal extasiamento. Se por cá ficar, dou comigo em monge, o que é para mim uma verdadeira pena. Onde se janta em Évora?
- Na excellente casa de pasto do Bruno, no muro da Rua do Raymundo e também se vendem petiscos por toda a parte; e olha que todos são muito económicos!
-Acompanhas?
- Vá lá, sem exemplo.
O resto sabel-o-hao os leitores d'outra occasião.
Carmen Almeida | Facebook
Fonte: Folha do Sul, Outubro de 1864. Foto
Foto: Estação de Casa Branca, reprodução digital de negativo de vidro.
Autor: Desconhecido
Coleção Grupo Pró-Evora, em depósito no Arquivo Footgráfico da CME